sábado, fevereiro 25, 2006

Parte de um romance

Ele chega o rosto bem perto do dela e diz quase encostando seus lábios nos dela.
_Eu gosto mais de você do que de mim...
Caio, seco por amá-la tanto e ávido por saciar a dor de Luiza, que agora transparece, segura seu rosto e a beija, um beijo demorado, com gosto de lágrimas. Quando as bocas se separaram, ela, ainda de olhos fechados, diz num sussurro, quase sem querer, só para ele ouvir.
_Eu te amo...

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Triste

(Tom Jobim)

Triste é viver na solidão
Na dor cruel de uma paixão
Triste é saber que ninguém
Pode viver de ilusão
Que nunca vai ser nunca vai dar
O sonhador tem que acordar
Tua beleza é um avião
Demais prum pobre coração
Que pára pra te ver passar
Só pra me maltratar
Triste é viver na solidão



Porque ele diz tudo que eu queria dizer, sempre...

domingo, fevereiro 12, 2006

Carta para minha mãe

Pela primeira vez chorei por saudades de casa. Veio de repente, não uma sutil nostalgia, como de outras vezes, foi saudade assumida e dolorida, aquele sentimento que corrói até dizer chega e mesmo quando se diz chega continua corroendo sem piedade, até o fim. A começar pelas pequenas coisas, como o primeiro sol da manhã, que eu via invadir a sala, ao levantar. Como o cheiro do café que vinha da cozinha e os quadros dependurados nas paredes. Os cachorros latindo quando eu chegava. O som dos periquitos, que eu nem percebia mais. Saudade do meu quarto cor-de-rosa, dos móveis que meu pai pintou com flores azuis e brancas, do pterodátilo no teto, dos livros nas prateleiras, dos CDs, das fotos no mural, da minha cama, tão minha... Saudade de chegar à janela e ver a cidade a perder de vista, ou ver as montanhas do parque das mangabeiras da outra janela. Já nasci naquela cidade, morei sempre na mesma rua, no mesmo apartamento, que percorria de cor para goles de água no escuro da madrugada. Que saudade... Tudo ainda é muito presente, como um cordão umbilical mal cortado. Como se todas as manhãs tivesse que me lembrar que acordo muito longe desse lugar tão próximo nos meus sonhos. Saudade dos meus pais, o casal mais lindo, da Nina, Nala e Panda... Saudade de Belo Horizonte, sempre bela, com seu pôr-do-sol cheio de cores.

domingo, fevereiro 05, 2006

Catavento e Cotovia

Cansada de planar despretensiosamente no alto do céu, a Cotovia resolveu baixar as asas e voar no horizonte dos telhados das casas e prédios. Queria ver o movimento das gentes das redondezas e quem sabe encontrar algum pouso interessante de onde ouvisse a cantoria de outros pássaros.
E foi no seu caminho rumo a terra firme que se encantou por um rodopiante colorido que avistou preso às grades de uma janela. Tocada por súbita beleza, por pouco, não perdeu os sentidos e tombou em direção ao asfalto. Aterrissou num fio de alta tensão e ficou a admirá-lo. Para ela, Catavento e Cotovia significava a junção perfeita, ele era a formosura das cores, ela, a pureza do canto. E todos os dias, a partir daquele, viam-se os dois enamorados na beirada da janela.
Para tal amor inusitado e sem jeito só podia estar guardado um final triste.
O vento que fez o Catavento girar não foi a brisa mansa costumeira, foi uma corrente forte, vento de chuva. O céu enegreceu, as nuvens incharam e acinzentaram... A Cotovia, antevendo a cena trágica, tentou desprender o Catavento e levá-lo para longe, mas foi inútil. Os primeiros pingos vieram ligeiros, mancharam as cores. A tempestade chegou logo e dissolveu o papel. E por mais que a chuva castigasse, a Cotovia permaneceu ali até não restar mais nada além de uma fina haste de madeira presa às grades de uma janela.