sábado, dezembro 29, 2007

Ilusão de ótica



Quando eu era pequena, achava tudo grande.
E você disse que o mundo me esperava.
Debrucei na janela e esperei pelo mundo.
Sonhei ser grande.
Mas acho que esperei demais do mundo.

“Saudade: descreve a mistura dos sentimentos de perda, distância e amor.”

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Das histórias que ele contava


Ele costumava dizer que na outra vida tinha sido cachorro. Porque na outra, anterior dessa ainda, tinha sido padre. E que como padre tinha sido tão mal, avarento, mulherengo. Que na encarnação seguinte veio como cachorro, para aprender, de uma vez por todas, que ser humano é privilégio e coisa rara em matéria de encarnação. Como cachorro foi manso, bonzinho mesmo. E sofreu virando lata. Porque não era qualquer cachorro, para ser lição bem dada, tinha que vir um vira-lata e não cachorro de madame não. E como vira-lata passou frio, ficava sozinho nas ruas, na chuva e ventania. Morreu velho e pestilento, sem dono ou amigo. Mas valeu a dura vida, porque depois de cão, ganhou direito, conquistado, de descer homem novamente. E sem batina dessa vez, se fez homem de direito, advogado. Íntegro, correto, apreciador da vida e piadista nas horas vagas. Virou também professor, de história, como as que contava. E algumas vezes político, escritor, marceneiro, leitor compulsivo. Meu pai. Ele me dizia que era por isso que se identificava tanto com eles, os cachorros. E não foi só uma vez que levou sua cadelinha para a sala de aula. Veja bem, cachorro não, porque essa era fêmea, cadela então. Ele não achava justo deixá-la sozinha em casa e os alunos achavam graça. Teve o diretor que intrometer e dizer que escola é lugar de gente, e: por favor professor, bicho é bicho. Ele não partilhava da mesma idéia, mas... E contava outra também, a do seu amigo canino, que visitava de tempos em tempos. O gaúcho. E meu pai levou o gaúcho para o fórum e depois para almoçar na casa da minha avó. Até presenteou a secretária, com um berne que encontrou no bicho, dizendo ser um brinco. E o grito que a mulher deu, com o verme na palma da mão. Me dá vontade de rir. Esse era o meu pai. Espero que na próxima venha como passarinho.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Sobre Asas Fechadas


Teve um dia, poucos pra trás, que acordei de sono pesado, quase desmaiado. E não era mais eu. Entende? Simplesmente, de repente, me pareceu que o azul do céu não fazia sentido. E por que bonito o dia, se por dentro estava tudo tão feio, em cinza fechado? E as costas me pareceram pesadas e os sentimentos. Me sinto tão perdida, não sei mais qual é a minha casa, nem para onde correr. Se corro, ou fico parada... Não sei onde está o amor, ele anda tão disperso que, às vezes, me questiono se existe. É possível viver sem amor? Sinto como se nada pulsasse aqui dentro. Dei uma pausa na correria cotidiana, para me deixar ser carregada e sentir muito pouco qualquer coisa. Chego a me espantar com algum sorriso. Eu queria que pulsasse, queria sentir o chão para poder correr. E sim, me perder, quem sabe? Mas jogar com a possibilidade de me aventurar. Viver. Abrir as asas e ficar mais leve, acredito que eu possa voar, mesmo sem tirar os pés da terra, mesmo sem ter asas que os outros possam ver. Precisei de abraços, uns mais que outros. Precisei de amor, uns mais que outros. Mas aprendi que, sincero, é quando vem sem pedir. E dói, quando não vem. Acalma saber que palavras e abraços inesperados chegaram. E outros esperados, vieram de mala nas costas. Eu não amei demais. Mas amei o suficiente algumas vezes. O suficiente necessário para sofrer. Talvez eu tenha amado errado. Aliás, esse é um dos meus grandes problemas. E por isso parece difícil continuar. Ou acreditar no amor que valha a pena. Ou se deixar amar. Tem chuva lá fora. E esse cair da água me parece música, me faz sentir o mundo que rodeia. E as horas continuam, e eu preciso caber dentro delas. Preciso voltar, mesmo doída, pois se há dor, ainda pulsa, mesmo que no fundo. E eu estou jogando, no momento de virar o tabuleiro e algumas peças. Mudar coisas de lugar e me permitir... As asas vão abrir um dia, hoje não, ainda. Mas sinto a força que vem, sem saber de onde... Acredito em anjos e em um, que me guarda. E a chuva, daqui a pouco passa. E o amor daqui a pouco chega. E ai sim, as asas.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Pai,

Queria te dizer uma porção de coisas, mas essencialmente que o meu amor é de tamanho desproporcional ao mundo, e que você o leve. E que você vá leve, porque merece, e mais tarde a gente se encontra. Porque o amor transcende, porque ele fica, apesar de tudo. Porque eu te amo. Porque como pai você foi meu herói. E é. Ainda. E sempre. O mundo perdeu hoje. Mas sua vida foi linda, é isso que importa. Eu queria lembrar um monte de coisas, como a música que você assoviava todo dia, e eu ouvia antes de você entrar em casa. Queria lembrar do teu riso, e ouvir a sua voz. Mas eu fico com os ensinamentos, e fico com o teu amor, que sei, era grande. Eu fico com o teu pedaço dentro de mim, que carregarei, por ser sua. Eu quero o teu abraço, o teu carinho, as nossas conversas de madrugada. Como era bom, a gente se perder nas horas e ir dormir de madrugada. Eu queria tanta coisa... Queria te agradecer por tudo, queria dizer que não poderia ter sido melhor, que você não poderia ter sido melhor. Você que me ensinou a andar de bicicleta, você que embarcava em cada uma das minhas loucuras. E nossa casa quase vira um zoológico, e você se fez de ator, e roteirista, e me construiu uma casa de bonecas, e depois fez os móveis da minha casa. As cachorras sentem sua falta e não entendem. E eu e minha mãe, nem se fala. A gente entende, mas difícil aceitar. Não sei como vai ser daqui pra frente, porque eu me sinto vazia, falta um pedaço. A casa ficou tão grande de repente. E todas as coisas têm um pouco, ou muito de você. As cores no quarto, as coisas na estante, as fotos, os livros, parece que você vai entrar a qualquer momento e dizer que acabou a brincadeira. Vai entrar assobiando, aquela música que eu não consigo lembrar, e ai vai me parecer tão óbvia. Vai entrar soltando a Nina da corrente, e ela fazendo o maior estardalhaço. Mas a verdade pai, é que você não vai entrar nunca mais. Então acho que eu não vou lembrar a música. A gente ta sem lugar, sem saber o que fazer. Você era a alegria das nossas vidas e você sabe. Saudade das suas piadas sem graça, saudade dos seus conselhos, da sua segurança, saudade da sua voz desafinada quando cantava, saudade da sua espontaneidade, saudade de tudo em você, saudade que não acaba mais. Saudade de quando você me ligava só pra dizer que tava com saudade. A separação é dura. Mas fico feliz por você ter me esperado chegar. Fico feliz por você não sofrer mais. Mas hoje é o dia mais triste da minha vida.

Eu te amo

Um Beijo

Marcela