domingo, maio 30, 2010

Das coisas para se lembrar - Diná

Diná sempre foi muito além de, simplesmente, Diná. Era mulher de mil facetas, cada uma mais bela. Sabia ser elegante que só, bastava um salto alto para que atravessasse qualquer corredor como uma diva. Diná não tinha idade, possuía a sabedoria. Podia pensar com a jovialidade matreira dos vinte e verdes anos, ao mesmo tempo em que se permitia ser a mulher madura de cinqüenta. Diná nunca foi rica, mas sabia ser feliz à toa. E com um sorriso te prendia com os olhos, e no final da noite a atenção da festa era toda dela. Diná era a amiga querida, a mãe zelosa, a filha adorada, a irmã preferida e como esposa, a eterna amante. Era família em primeira instância e que aí se incluíssem também os amigos mais chegados, que visitavam com freqüência para um cafezinho com biscoito que desmanchava na boca. Entre as coisas que Diná sabia fazer melhor: o café, definitivamente o café; uma cama com lençol bem esticadinho (e que o diminutivo aqui dê a idéia de nenhuma ruga sequer); dirigir para todos os lados; montar quebra-cabeças; distribuir conselhos amorosos; e completar as palavras cruzadas do jornal. Mas, sem dúvida, não houve nada que Diná tenha aprendido melhor do que amar. Diná sabia amar. E como! Desde pequenina. Diná amou primeiro a vida, assim logo que botou os olhos nela. Depois amou os pais, os irmãos, os avós, os tios, os primos, as professoras, as colegas da escola, os amigos da rua, os animais de estimação, as plantas no quintal, amou o céu e absolutamente tudo que coubesse no seu pequeno mundo. Um pouco mais tarde, descobriu que o amor podia ter outras caras, e experimentou a paixão. Se apaixonou pelo mar. Mais ou menos, como se apaixonou aos quinze anos por Omar. E poucos meses depois veio a perceber que esse sentimento podia ser por demais passageiro. E Diná foi casar-se e amar verdadeiramente, Fausto. E por Fausto se apaixonava todos os dias pela manhã. Diná teve três filhos, Marcos, Loreta e Aloísio. Diferença pouca de idade e nos primeiros anos teve que se desdobrar para dar conta. Uma eterna batalha para fazer os filhos crescerem com saúde, estudarem nas melhores escolas, depois ingressarem numa faculdade, para então formados e estabelecidos, saírem de casa para constituir família. Porém, pensando nisso, depois de tudo, parecia que tinha passado tão rápido que era com um suspiro de saudade que lembrava. De repente, voltou a ser ela e Fausto. E, só os dois naquela casa grande, deixava um gosto de vazio e um silêncio constante. Mal podia esperar pelos netos, que vieram sem demora, bendito seja! E encheram a casa com toda a balbúrdia necessária para a alegria tornar a morar. Não mais que duas décadas depois, os netos também cresceram. E mais um par de anos corridos, Fausto se deitou uma noite, para não acordar mais. Diná insistia em não deixar a casa. Cada cantinho era memória imortalizada em matéria. Mas Diná estava mais sozinha do que nunca, andava acompanhada pelo passado, que impregnava também os quartos, a sala e o corrimão da escada. Não era menos feliz, porque se sentia completa, como uma garrafa cheia de água, que deixa um pouco transbordar. Não faltava nada, a não ser a tampa. E que não viesse o neto com aquela historia de computador, não queria nem saber, que era coisa de outro mundo. E quando a neta telefonou para contar a novidade, estava grávida, e imagine só, de gêmeos! Diná desligou o telefone com o olhar perdido em qualquer coisa que não se via. É, não cansava de se admirar com as surpresas da vida, uma beleza! Fechou os olhos, satisfeita, e com a sensação de dever cumprido.