terça-feira, janeiro 18, 2011

emaranhados semi-lúcidos

Hoje, finalmente, acordei sem o cheiro do álcool. Não me mexi, apenas o movimento das pálpebras, que se abriam e fechavam, sonolentas. Aproveitei para te admirar na penumbra antes de abrir as persianas. Teu sono devia te levar para um lugar bom, que de leve um sorriso te estampava o rosto. Evitei abrir as janelas para que o dia não escancarasse a verdade que se escondia entre mim, os lençóis e você... Me dei mais um instante de mentira. Há muito tempo não acordávamos assim, numa manhã sem ressaca, sem que tudo se transformasse numa confusa consequência de etílicos da noite passada, da qual raramente nos lembrávamos. A sobriedade sempre me fez pensar demais. Ficavam as perguntas me bombardeando e um céu pesado sobre minha cabeça. Resolvi sair à procura de uma cerveja na geladeira, a derradeira se encontrava atrás de uns vidros sem água, gelando o vazio. O estalo que a latinha fez ao abrir foi melhor que o primeiro gole. Quando o líquido esfriou meu corpo e se aconchegou a calma, sentei-me para ler o jornal. As tragédias do mundo não me espantaram o suficiente, e logo me desinteressei. Parti para um lugar longe sem sair da cadeira. Alguém te conhece mais do que eu? Se um dia me encontrar com o destino vou perguntar por que cruzou nossos caminhos. Cansei de astrologia, não quero mais saber da posição dos planetas, nem das casas do zodíaco. Você mente! A questão é: quando me olha, ou quando fala? Não gosto de me distanciar das pessoas, mas, às vezes, acontece. Você acordou e ficou de pé perto do beiral da porta me olhando enquanto fumava um cigarro, enquanto eu terminava a minha cerveja. Esperávamos pra ver quem quebrava o silêncio e a primeira palavra. Percebi que rabiscava no jornal: “Do que você tem medo?” Na maior parte do tempo eu não sei pra onde vou. Mas sempre chego a algum lugar. Você me deu bom dia e roubou o último gole quente da cerveja, bebeu feito leite, e sorriu antes de se sentar na minha frente e pegar também o jornal.Tenho mania de escrever por metáforas, desculpe, não posso evitar, é o meu jeito de falar para dentro. Eu já fui tantas e sei que nunca mais vou ser nenhuma delas. Alguma coisa já havia se perdido no caminho, uma peça que se soltou da engrenagem e ficou pela estrada, tomando chuva. Tenho a sensação de que a perda é irrecuperável. Às vezes já nem sei mais quem sou. Eu não voltei para procurar nada. Não olhei para trás. O que restou foi continuar andando. E no final percebi, que medo, temos todos.