Da alma
Teria sido pela viagem mais longa de ônibus, ou pelo cigarro enquanto esperava no ponto? Talvez tivesse sido a insônia da noite anterior... Não sabia precisar o motivo, o fato era que havia pensado mais sobre a vida, em algum desses momentos de nada para fazer. Em que se espera o ônibus chegar, ou espera que ele chegue em algum lugar, ou logo antes do sono apagar a mente enquanto se está deitada na cama. Confessava internamente que se agradava desses pequenos momentos de calma. Criava em sua cabeça as histórias que gostava de costurar a seu modo, e para ela somente. Histórias que jamais colocaria em um livro. Personagens que reservava para si, e que por ciúmes não dividiria com ninguém. Mas foi bem ali, em algum desses deleites particulares, que se desviou por outras andanças e foi dar na própria vida. Essa sem ficção e invencionices. E esbarrando em questões mais complexas, preocupou-se um pouco, não conseguia prever o final da história. Na verdade, não sabia nem por onde ia dar o meio e nem a próxima semana. Complicado... Bastou esse pensamento para estragar tudo. Então, lembrou-se de quando era criança. Lembrou-se da fazenda da tia, da goiabada no tacho, dos cavalos que gostava de montar. Não saberia dizer quantos anos fazia que não montava um cavalo, e talvez nunca mais montasse. Antes era quase certo, era férias se mandava para a fazenda. Recordou os meses à toa na casa da avó, a comida farta na mesa, os dias frios de café com leite, a brincadeira com os primos. Depois pensou no sítio do pai, as tardes de sol, correr com os cachorros no meio do mato, subir na árvore até o galho mais alto, pegar as frutas e comer ali mesmo. Por último pensou na infância em Belo Horizonte, no colégio e na brincadeira de bola com os amigos. Foi lembrando assim, devagarinho, sentindo assim, uma saudade quietinha. E não se agüentou, queria chorar ali mesmo, queria parar com tudo, descer do ônibus, se fosse o caso, e voltar. As noites de violão e cantoria, com a família em volta da mesa da cozinha, comendo queijos e tomando vinho, faziam uma falta de esburacar o peito. E não havia história que desse jeito. Nem lugar que fosse melhor que aquele... Quando mesmo foi o momento que resolveu pegar a mala e ir embora? Por que mesmo? Será mesmo que valeu a pena? Será?... Bom, antes de responder, ou se de desesperar mais, o ônibus chegou, ou o sono a surpreendeu. Mas a pergunta continuou flutuando em descompasso com outras histórias mais desimportantes.
2 Comments:
texto de esburacar o peito e fazer chorar.
se me fosse permitido responder à pergunta, eu falaria que valeu a pena sim.
pois no dia em que a gente decide pegar a mala, tudo que fica pra trás começa fazer um sentido.
sentido que talvez a gente não encontraria se permanecesse estanque.
mas que saudade... acho que vou praí qualquer fim de semana desses!
beijo
Acho que não adiantaria ficar no mesmo lugar. Foi o tempo que passou e trouxe suas conseqüências, como sempre fez e sempre fará. Por mais que doa pra quem tem a lucidez de reconhecer as mudanças.
Beijo!
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