segunda-feira, setembro 22, 2008

Do que eu me lembro nos dias frios

Eles não precisavam dizer nada. O ônibus, antigo, não deixava as janelas bem fechadas e entrava o frio. O casaco dela de lã, com desenhos triangulares e coloridos, achava lindo. Ele o comprara para a sua mãe em uma viagem para o sul. Na loja, sem saber como acertar no tamanho recorreu à vendedora, mulher entende dessas coisas. Ela lhe perguntou mais ou menos o tamanho, e ele disse depois de pensar um instante e com um sorriso: encaixa bem assim debaixo do meu braço. Mostrou com um gesto. Ela entendeu na hora. Os dois no ônibus, no final da tarde, antes que escurecesse, para que ainda desse tempo de comprar pão. Ele com a carteira debaixo do braço e um casaco de zíper, o mesmo de sempre. O casaco dela ficava um pouco grande, a mãe o esquecera no fundo do armário, agora era dela. Desceram do ônibus, atravessaram a praça. Como era de costume, ele encontrou alguns conhecidos e parou para conversar um pouco. Ela esperou se distraindo com um fio de lã do casaco. Caminharam por um quarteirão e pararam, com a dúvida corriqueira: por baixo, ou por cima? Ele preferia ir pela rua de cima. Ela pela debaixo, um: evitava os conhecidos, dois: teria mais tempo com o pai só para ela. Ele fez a sua vontade, como costumava fazer nos dias frios e nos demais. E foram, se apertando para afugentar o vento pelo menos até a padaria. Seriam oito pãezinhos saídos do forno. Naquela época algumas moedas eram suficientes. Ela abriu o pacote marrom assim que retomaram o caminho e pegou um naco de pão ainda quente. Até chegar em casa já seriam sete. A rua estava quase vazia. Ela gostava desse jeito. O frio deixava as pessoas em casa. Só faltava uma ladeira agora. Subiram até a metade e entraram em casa. O cheiro do café surgiu ao abrirem a porta. A avó veio da cozinha terminando de fechar a garrafa e arrastando os chinelos. O som era inconfundível. Era bem mais quente ali dentro, mas não o suficiente para dispensar o casaco. Sentaram-se para o café. Mais tarde, enquanto a avó assistia à última novela da noite, antes de dormir, colocariam o cobertor sobre a pequena mesa da sala, reorganizariam as cadeiras, pegariam o baralho na gaveta e jogariam buraco até de madrugada. Quando era mais nova, sempre perdia e ia dormir emburrada, enquanto ele achava graça. Mas naquele dia, depois dos anos em que a ensinara cada jogada, o resultado era imprevisível. O certo é que seria um bom jogo.

2 Comments:

Blogger Luanne Araujo said...

Dias de frio são para passar com pessoas especiais, não? Hum. Naco de pão quente.

Saudade, Bê.

20:03  
Blogger Débora Faccion said...

Oi Cela! Fazia tempo que eu nao lia suas coisas... Sempre uma delicia! Saudades!
Beijos!

17:33  

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