domingo, janeiro 11, 2009

Quando a gente vira pássaro

Eu, sendo eu mesma, desfigurando-me de personagens que costumo usar de apoio para contar as minhas próprias histórias, não sei se diria muita coisa, pelo menos assim abertamente, pois é difícil falar. Eu, se fosse eu mesma, subiria no palco, pediria um copo de cerveja, bem gelada, pegaria o microfone e cantaria noite adentro, só pelo prazer da música. Ouviria com toda calma, me deliciando com cada acorde, a introdução da primeira canção, notas lentas, só o violão, o arpejar das cordas, o som dos dedos a baterem de leve ali. Eu sentaria no banquinho de madeira, no palco pequeno, no bar semi-cheio de um dia qualquer. O microfone na altura dos joelhos, as pessoas ainda nas suas conversas de sempre, regadas à bebida, falando de amores inconstantes, problemáticos, afogando todas as mágoas no álcool de sua preferência, retidas em mundos isolados formados por mesas apertadas. Eu já teria observado tudo de uma só vez. As vozes altas, perturbando as notas, a distração, como se não estivéssemos ali. Eu era muito nova ainda, vontade de gritar não me faltaria. Os garçons eram chamados, ninguém ligava, ninguém ouvia. Eu tentaria me concentrar no tom, assim mesmo. Fecharia os olhos, e a música entraria em mim, completamente, preenchendo cada vazio, calando todas as vozes, me fazendo levantar os pés do chão e levitar ligeiramente. A introdução chegaria ao último acorde, que eu poderia reconhecer prontamente, e dali em diante, eu também seria música. O tom ecoando em minha cabeça. Uma respiração mais profunda, calculada. Já de boca aberta deixaria a letra começar a sair e tomar vida própria. Então sim, naquele exato instante, eu voaria. E ao abrir os olhos, todos me olhariam, e esqueceriam suas conversas aleatórias, esqueceriam todos os amores mal amados, e toda a tristeza. A música era tão bonita, como seria bom ouvi-la, aproveitando todos os seus minutos, em silêncio. Ela era mais do que suficiente. Olharia demoradamente para cada rosto, cantando uma música diferente para cada pessoa. Até quem trabalhasse no bar, pararia por um segundo e ouviria. E a voz que ecoaria em vôo solo, seria a minha, mais uma vez. Tão feliz, que nada mais importaria. Quando a gente se torna música vira pássaro. Não há nada melhor. Depois que a música terminasse, em final emocionante, viriam os aplausos, dos poucos espectadores, ou de muitos, isso era o de menos. Eu tomaria alguns goles de cerveja, e obviamente, não esperaria a mesma atenção a partir da segunda canção. A noite já estaria ganha, ali naquele primeiro momento, bastava. Bom seria ouvir de minha mãe que o garçom lhe confidenciara que algumas pessoas entraram no bar porque, lá de fora, me ouviram cantar: “Ficaram a noite toda!”. Se eu fosse eu mesma, despida dos meus medos, completamente nua em relação a todos os poréns, voltaria a cantar, tenho certeza.

1 Comments:

Blogger Débora Faccion said...

eu dou a maior força do mundo pra vc voltar a cantar! voz linda, puro talento!! Eu tbm sonho com o dia em que vou cantar.. exatamente assim como vc descreveu, num bar, num banquinho no canto! Só preciso antes aprender a cantar bem como vc!! :)

Beijocas mil!!!

22:04  

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