quinta-feira, novembro 13, 2008

As pontas da linha

Ainda não encontrei o fio do teu casaco que ficou preso no meu guarda-roupa e foi se desenrolando corredor a fora. Depois, na sala, passou pela porta e despencou na rua. E foi se desfazendo em linha contínua até você atravessar para o outro lado da calçada e sem olhar para trás, sumir depois de virar a esquina. Não fui atrás de você, apenas fechei a casa, recolhi o resto das roupas jogadas nos cantos e guardei no armário. Foi ai que notei, que como um novelo desfeito, atirado por brincadeira pelos cômodos, estava ali aquele fio, preso na beirada da gaveta e percorrendo o chão de tacos. Fui até a janela, depressa confesso, para conseguir ainda apanhar-te com os olhos, antes que os prédios vizinhos te sugassem. Foi o tempo de uns poucos passos e você sumiu. Outras pessoas passaram. Mas como um rastro, ficava entre os paralelepípedos o fio colorido que você deixava. Você não estava mais lá. Culpa minha também, que não pedi para que ficasse. Apenas assenti com a cabeça baixa, para não te olhar nos olhos e me denunciar imediatamente. Suplicantes, eles gritavam para que esperasse. Apenas o tempo do café. A água já estava no fogo. Borbulhando. Evaporando a cada estourar das bolhas efêmeras. Não, você foi antes de pensar duas vezes, antes que pudesse mudar de idéia. E eu fiquei. Presa no fio do teu casaco, que fui enrolando lentamente, com a pretensão de chegar à outra ponta, um dia. E depois disso, devolvê-lo quem sabe. Ou atirá-lo pela janela. Sentei para tomar o café, na companhia da cadeira da frente, vazia. E me esmerei em recolher a linha, sem pressa. Demorou um pouco. Doeu um pouco. Ela teve que refazer todo o caminho. É, ainda não encontrei a outra ponta, o percurso foi longo, mas cada dia que passa ela chega mais perto. Você repuxa o fio algumas vezes, posso sentir, de leve, ele se movendo um pouco. Do outro lado, o seu toque. Como se de propósito você o tivesse amarrado na beirada da minha gaveta, para que eu não perdesse a linha. Para nos manter de alguma forma ligados. Entre nós, o fio do teu casaco, fazendo o trajeto das nossas casas. Nos unindo. Não se preocupe, eu ainda sei o caminho, é perto. E você também não se esqueceu, tenho certeza. Mas por precaução, você ainda o segura. Eu deixei ali na estante, meio de lado, esperando pelo dia em que você vai soltar completamente, e afinal vou poder fechar a porta.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

16:16  
Anonymous Anônimo said...

tá incrível esse texto.
acho que entendo bem (ou tento entender) sobre linhas coloridas e portas que custam a se fechar.

mas, o que mais me veio à cabeça quando o li foi a música do brincos. a gente tentando entender sobre a costura da vida e se perdendo no meio dessa linha extremamente comprida...

16:16  

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