sábado, novembro 22, 2008

Sonhos

Presa no alto da parede uma luminária japonesa deixava o quarto azul. Clara foi até lá enquanto dormia, olhá-lo, na cama que era dela, e um dia, fora dele também. Não se sabe como descobriu que Frederico se apossara do seu apartamento enquanto estava fora. Durante um final de semana. Ele remexendo a sua intimidade. Ela observando as coisas que ele tirava do lugar. Clara se ajeitou com a cabeça apoiada no braço, deitada de leve ao seu lado, admirando os sonhos que o tomavam. Os olhos presos na nuca que conhecia tão bem e queria tocar se os dedos mais corajosos fossem. Mas contentou-se em olhar, apenas acalentar o sono, embalada pela respiração mansa. Deixava dobras no lençol quando se mexia um pouco. O sorriso no rosto, inevitável, estava feliz em vê-lo. Frederico dormia de lado, de costas para ela. Quieto, somente um respirar mais fundo. Veio o vento, a janela um pouco aberta, não mais que o suficiente para arrastar o cheiro. Frederico reconheceu o perfume. Por um segundo parou e sem respirar, guardou nos pulmões a lembrança. Abriu os olhos. Sentindo a presença dela, o calor do corpo, familiaridade maior que a imaginação poderia criar. E sem tempo para se preparar virou-se para vê-la. Clara dos cabelos curtos, olhos brilhantes, ainda sorrindo, olhava para ele. Exatamente como se lembrava. Os dois se olharam. Não mais que um instante. Ela pediu desculpas. Uma, duas, três vezes... Calou o silêncio confuso dele com um beijo. Depois outro. Ainda no escuro mudo, azulado pontualmente, ela se levantou e o levou para o meio do quarto. Os dois de pé se abraçaram, com o peso dos anos, com tanta saudade, mas como se fosse ontem, a última vez. Como se ainda se conhecessem insuportavelmente, sem outros dias em branco e algumas mudanças. Se amando e esquecendo-se dos pesos, das cobranças. Porque se amavam ainda. Em frente ao espelho ela o envolveu por trás e se olharam pelo reflexo. Um enxergando o outro. Aproximando-se do vidro, mais a cada passo. Até que pudesse tocar e desenhar com o dedo o rosto dela, margeando a face, a boca, o cabelo e depois os olhos. Que seguiam bem fundo para os olhos dele. E assim, os dois círculos pretos se refletiam.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

isso tá mt lindo.

04:13  

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