quinta-feira, janeiro 08, 2009

Quando roubou da noite

Respirou como se tivesse se esquecido de respirar enquanto dormia. Em uma única tomada de ar, colocou para dentro com voracidade tudo o que podia. Depois voltou a respirar calmamente e observou em volta. Vestiu qualquer coisa e desceu para comprar cigarros. Na volta percebeu, pelo espelho do elevador, que os cabelos estavam completamente despenteados. Ficou fumando na varanda, soprando a fumaça para a noite. O céu estrelado. Podia pensar em muitas coisas, mas não pensava em nada. Apenas perdera o sono. Podia colocar alguma música, mas queria ouvir o silêncio, um pouco. Um encontro com ela mesma, sem pressa. Foi para a sala, passou o pé pelos tacos no chão, de leve, só a pontinha do dedo contornando as linhas. Era inverno e fazia frio, ela gostava do frio. Apagou o cigarro. Esticou um dos braços, depois uma das pernas e deu um salto, depois um giro. Dançava na sala vazia, sozinha, sem música. E girava, para um lado e para outro... Até cair no chão, sem se machucar, é claro. Deitou com os braços abertos e os movimentando para cima e para baixo, fingiu que voava. E atingiu os céus e as estrelas daquela noite. E daí sentiu vontade de ouvir música, resolveu cantar, bem baixinho, só para ela ouvir. E sussurrou de olhos fechados a letra que vinha na sua cabeça naquele momento, não se preocupou em decorar nada, sabia que era apenas aquilo, e depois não lembraria. E isso era bonito, a beleza das coisas efêmeras. Abriu os olhos e teve vontade de pensar em outras coisas. Sorriu, matreira – não, aquela noite era dela e ponto! Levantou-se, voltou a dançar mais rápido e a cantar, mais alto. E todas as estrelas giravam em cima de sua cabeça, no mesmo baile que ela. Lá fora chovia, era inverno, mas nesse dia a chuva. O som das gotas a ritmar a canção. E um trovão, como um retumbar mais forte. Sua voz ecoando melodiosamente pela sala. Os pingos a descerem pelo vidro formando mensagens indecifráveis, desenhos surrealistas e novamente a beleza só de passagem, que no mais tardar pela manhã já teria ido embora. Escancarou a janela e sentiu a rajada de vento, que entrou sem timidez alguma e percorreu a casa. Lá fora, as folhas das árvores vizinhas num farfalhar constante.
_Boa noite lua, boa noite noite, boa noite vida, podem entrar e sintam-se à vontade.
Chegou para o lado, abrindo caminho. O relógio na parede marcava as horas, tirou a pilha e parou o tempo. Pelo menos por alguns minutos, enquanto ainda havia música em sua cabeça, enquanto saia um pouco do eixo e, sem testemunhas, deixava a loucura tomar conta, do corpo, da madrugada insone, das estrelas companheiras. Do outro lado da noite era tudo exatamente o mesmo, não queria voltar. Não existia motivo para desperdiçar um sonho tão bom. Continuou dançando, mas a música ficava lenta, a chuva ficava fraca e o sono ficava aparente. Não havia remédio, não demoraria muito, teria que devolver as horas.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Como é que escreve tão lindo assim, hein?

Parabéns, Marcela.

Beijo grande e feliz 2009.

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12:57  

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