segunda-feira, janeiro 18, 2010

O moedor de pimenta

Não era o pinguim de geladeira, não era qualquer presente escondido no fundo do armário, nem a roupa de cama, definitivamente não eram os porta-copos, nem as lembranças, tudo que ela queria de volta era o moedor de pimenta. Como num samba zombeteiro, que canta as desavenças das relações amorosas, ela ria da situação, como se pudesse imaginar a letra do seu próprio samba. Se não fosse sério pareceria cômico. Afinal de contas, ela tinha seguido o caminho, tinha ido em frente, apesar das dificuldades que englobavam deixar tantas coisas e pessoas para trás. Mas o moedor de pimenta... Esse se tornava uma questão de honra. E se para outros a trama fosse mais simples do que complicada, para ela, desatar os nós significava sim, tirar todos os objetos que restavam no apartamento. Mas claro, só levaria o que fosse seu. Pelo simples motivo, de que carregavam uma energia pessoal e intransponível, que não fazia sentido continuar presa naquelas paredes, pertencentes aos cômodos, habitados por pessoas, das quais, naquele momento, precisava se afastar. Normal. Ninguém tem culpa. Ninguém pode prever. Nem ela, nem eles... É impressionante a capacidade do ser humano em se auto-sabotar, quando finalmente atinge a capacidade de sentir, de se apaixonar, não sabe lidar com isso, é muito sentimento, e ai... Bom, e ai de repente as pessoas se perdem, porque se torna difícil dialogar. Acontece. E dessa viagem que se embarca num rompante, o retorno, na maioria das vezes, é deveras complicado. O remédio é mesmo tomar: distância e tempo. Juntos de preferência. Ela já havia plantado uma pimenteira, que começava a brotar. Quem sabe alguns anos mais tarde, tudo seria motivo de graça, e os grandes problemas da época, pareceriam não mais que pequenos desentendimentos. Definitivamente, ela precisava recuperar o moedor de pimenta. Porque a questão estava além do objeto. Será que era muito a pedir?... Vai saber.

6 Comments:

Blogger Ana Moura said...

Rá!

04:40  
Blogger Sueli Maia (Mai) said...

Mas um moedor de pimentas, bom, pode ser raro. E sim, é espantosa a capacidade de auto sabotagem do ser humano. Um bom texto.
abraços e boa semana

08:26  
Blogger Priscila Ihara said...

Eu acho que existe muito mais por trás de um moedor de pimenta do que se imagina... :P
Muito bom, Bê!
Beijo

21:46  
Blogger Luanne Araujo said...

Muito bem escrito, Bê. E esperançoso, eu também iria querer meu moedor. O que cada um quer moer é problema seu, né? Melhor moer do que remoer.

22:32  
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