Reminiscências
No escuro, ouviram-se vozes sussuradas:
-Você tem medo de escuro?
-Não... Você tem?
Como os pensamentos não falavam, os dois se calaram brevemente.
-Um pouco...
Nessa época, eles tinham não mais que oito anos.
-Sabe o que espanta o medo?
-O que?
Ele procurou a mão dela por entre as cobertas empilhadas. O cheiro ali dentro misturava um tanto de môfo, com cheiro de velharia há muito guardada. Muitos anos mais tarde, ele lembraria desse dia, ao abrir um antigo guarda-roupa, mas não se daria conta de que o motivo, que foi resgatar tal lembrança, era justamente o estranho cheiro familiar. Sentindo os finos dedos dela, gelados, os envolveu bem entre os seus, igualmente frios. A verdade era que os dois sentiam medo. E deixaram-se ficar assim de mãos dadas, por alguns longos minutos, em silêncio. Só os pensamentos murmuraram, mas o som se confundiu com a respiração dos dois. Ela não saberia explicar, mas naquele momento, o medo se foi. E não tornou a aparecer. A única certeza que tinha era a de que poderia continuar perdida por entre as cobertas empoeiradas, sua mão perdida na dele, por muito tempo ainda.
-Você já quis saber como é beijar?
Ele perguntou, depois de se encher de coragem. Ela nunca havia pensado sobre isso. Mas ao refletir a respeito, bem que tinha curiosidade no assunto.
-Acho que sim.
Ele se virou para ela, sem saber para onde olhar, pois só enxergava um vulto no breu.
-A gente podia tentar e ver como é.
Ela sorriu matreira, sabendo que ele não poderia vê-la.
-Pode ser.
E tateando um o rosto do outro, eles se beijaram sem saber ao certo como agir, no escuro, enquanto se escondiam dentro do armário. Um pouco depois, outra criança abriu as portas e acabou com a brincadeira. Não voltaram a conversar sobre isso. Pouco se viram nos anos que seguiram. Porém, jamais se esqueceram do instante em que seus lábios se encontraram, em meio a confusão dos corpos, das cobertas, das descobertas, dos travesseiros, dos gostos, das bocas, do cheiro, da infância, da inocência, do escuro...
A recordação caiu no fundo do armário, quando os dois deixaram o esconderijo, e depois foi incorporada a toda a velharia, guardada há muito mais tempo agora.
-Você tem medo de escuro?
-Não... Você tem?
Como os pensamentos não falavam, os dois se calaram brevemente.
-Um pouco...
Nessa época, eles tinham não mais que oito anos.
-Sabe o que espanta o medo?
-O que?
Ele procurou a mão dela por entre as cobertas empilhadas. O cheiro ali dentro misturava um tanto de môfo, com cheiro de velharia há muito guardada. Muitos anos mais tarde, ele lembraria desse dia, ao abrir um antigo guarda-roupa, mas não se daria conta de que o motivo, que foi resgatar tal lembrança, era justamente o estranho cheiro familiar. Sentindo os finos dedos dela, gelados, os envolveu bem entre os seus, igualmente frios. A verdade era que os dois sentiam medo. E deixaram-se ficar assim de mãos dadas, por alguns longos minutos, em silêncio. Só os pensamentos murmuraram, mas o som se confundiu com a respiração dos dois. Ela não saberia explicar, mas naquele momento, o medo se foi. E não tornou a aparecer. A única certeza que tinha era a de que poderia continuar perdida por entre as cobertas empoeiradas, sua mão perdida na dele, por muito tempo ainda.
-Você já quis saber como é beijar?
Ele perguntou, depois de se encher de coragem. Ela nunca havia pensado sobre isso. Mas ao refletir a respeito, bem que tinha curiosidade no assunto.
-Acho que sim.
Ele se virou para ela, sem saber para onde olhar, pois só enxergava um vulto no breu.
-A gente podia tentar e ver como é.
Ela sorriu matreira, sabendo que ele não poderia vê-la.
-Pode ser.
E tateando um o rosto do outro, eles se beijaram sem saber ao certo como agir, no escuro, enquanto se escondiam dentro do armário. Um pouco depois, outra criança abriu as portas e acabou com a brincadeira. Não voltaram a conversar sobre isso. Pouco se viram nos anos que seguiram. Porém, jamais se esqueceram do instante em que seus lábios se encontraram, em meio a confusão dos corpos, das cobertas, das descobertas, dos travesseiros, dos gostos, das bocas, do cheiro, da infância, da inocência, do escuro...
A recordação caiu no fundo do armário, quando os dois deixaram o esconderijo, e depois foi incorporada a toda a velharia, guardada há muito mais tempo agora.
6 Comments:
Que lindo Bê! Me fez sorrir... Foi uam boa leitura antes de dormir... :)
Beijão
Lindo demais!
Deu pra sentir as nuances, os momentos, o friozinho na barriga, o cheiro de mofo. Deu vontade de recuperar a ingenuidade.
Ainda que no fundo do armário, determina a organização das gavetas de um jeito insuspeito e inevitável.
Mãos que se procuram debaixo das cobertas.
Um texto aconchegado e bom de se ler.
Abraços.
Eu tenho medo de escuro!!
Leitura fofa!
Leitura fofa!
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