Era a sombra, ele observava a sombra... Nela podia ver os dois se beijando, aquele contorno um pouco abstrato, devido à iluminação baça do abajur, era claro. Mas nela, na sombra, podia enxergar tudo, toda a paixão e reciprocidade, inexistentes no caso dele. Além da sombra via apenas os pés e os sapatos se misturando num entrelaçar de pernas ritmadas pelo beijo, a parede tapava o resto. Porém só de ver pés e sapatos e mais a sombra, já imaginava além da cena, e doía e sofria. E a parede ao invés de ajudar, de poupar os olhos, piorava as coisas, escondia e mostrava quão do lado de fora estava, numa distância talvez jamais ultrapassável. E naquela noite e nas outras, sonhava com ela, como seus beijos negados, com seus carinhos esperados, com seu amor sozinho... Era isso, estava sozinho, não mais do quê antes, nem menos do quê de outras vezes, se dava conta de que sempre esteve assim, sozinho. E era triste, porque a felicidade se ocultava por trás da sombra e da parede, perto daquele abajur e em cima daqueles sapatos, em meio aquela luz baça, e entre os lábios de outra pessoa.