quinta-feira, janeiro 22, 2009

Rumo a Tiradentes

Hoje choveu tanto que eu achei que não ia chegar em casa. Mas cheguei, consegui fazer tudo que tinha planejado, incrível. E depois de amanhã a cidadezinha das ruas de pedra me espera. Andei pisando em folhas secas até deixar o caminho livre. Acho que ficou. Cinema na praça, noite fria, cachoeira. Bom tem muita coisa boa nessa vida. E quem sabe ainda levo alguma surpresa pela estrada. E o meu trem mineiro finalmente vai entrar nos trilhos.

domingo, janeiro 11, 2009

Quando a gente vira pássaro

Eu, sendo eu mesma, desfigurando-me de personagens que costumo usar de apoio para contar as minhas próprias histórias, não sei se diria muita coisa, pelo menos assim abertamente, pois é difícil falar. Eu, se fosse eu mesma, subiria no palco, pediria um copo de cerveja, bem gelada, pegaria o microfone e cantaria noite adentro, só pelo prazer da música. Ouviria com toda calma, me deliciando com cada acorde, a introdução da primeira canção, notas lentas, só o violão, o arpejar das cordas, o som dos dedos a baterem de leve ali. Eu sentaria no banquinho de madeira, no palco pequeno, no bar semi-cheio de um dia qualquer. O microfone na altura dos joelhos, as pessoas ainda nas suas conversas de sempre, regadas à bebida, falando de amores inconstantes, problemáticos, afogando todas as mágoas no álcool de sua preferência, retidas em mundos isolados formados por mesas apertadas. Eu já teria observado tudo de uma só vez. As vozes altas, perturbando as notas, a distração, como se não estivéssemos ali. Eu era muito nova ainda, vontade de gritar não me faltaria. Os garçons eram chamados, ninguém ligava, ninguém ouvia. Eu tentaria me concentrar no tom, assim mesmo. Fecharia os olhos, e a música entraria em mim, completamente, preenchendo cada vazio, calando todas as vozes, me fazendo levantar os pés do chão e levitar ligeiramente. A introdução chegaria ao último acorde, que eu poderia reconhecer prontamente, e dali em diante, eu também seria música. O tom ecoando em minha cabeça. Uma respiração mais profunda, calculada. Já de boca aberta deixaria a letra começar a sair e tomar vida própria. Então sim, naquele exato instante, eu voaria. E ao abrir os olhos, todos me olhariam, e esqueceriam suas conversas aleatórias, esqueceriam todos os amores mal amados, e toda a tristeza. A música era tão bonita, como seria bom ouvi-la, aproveitando todos os seus minutos, em silêncio. Ela era mais do que suficiente. Olharia demoradamente para cada rosto, cantando uma música diferente para cada pessoa. Até quem trabalhasse no bar, pararia por um segundo e ouviria. E a voz que ecoaria em vôo solo, seria a minha, mais uma vez. Tão feliz, que nada mais importaria. Quando a gente se torna música vira pássaro. Não há nada melhor. Depois que a música terminasse, em final emocionante, viriam os aplausos, dos poucos espectadores, ou de muitos, isso era o de menos. Eu tomaria alguns goles de cerveja, e obviamente, não esperaria a mesma atenção a partir da segunda canção. A noite já estaria ganha, ali naquele primeiro momento, bastava. Bom seria ouvir de minha mãe que o garçom lhe confidenciara que algumas pessoas entraram no bar porque, lá de fora, me ouviram cantar: “Ficaram a noite toda!”. Se eu fosse eu mesma, despida dos meus medos, completamente nua em relação a todos os poréns, voltaria a cantar, tenho certeza.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Quando roubou da noite

Respirou como se tivesse se esquecido de respirar enquanto dormia. Em uma única tomada de ar, colocou para dentro com voracidade tudo o que podia. Depois voltou a respirar calmamente e observou em volta. Vestiu qualquer coisa e desceu para comprar cigarros. Na volta percebeu, pelo espelho do elevador, que os cabelos estavam completamente despenteados. Ficou fumando na varanda, soprando a fumaça para a noite. O céu estrelado. Podia pensar em muitas coisas, mas não pensava em nada. Apenas perdera o sono. Podia colocar alguma música, mas queria ouvir o silêncio, um pouco. Um encontro com ela mesma, sem pressa. Foi para a sala, passou o pé pelos tacos no chão, de leve, só a pontinha do dedo contornando as linhas. Era inverno e fazia frio, ela gostava do frio. Apagou o cigarro. Esticou um dos braços, depois uma das pernas e deu um salto, depois um giro. Dançava na sala vazia, sozinha, sem música. E girava, para um lado e para outro... Até cair no chão, sem se machucar, é claro. Deitou com os braços abertos e os movimentando para cima e para baixo, fingiu que voava. E atingiu os céus e as estrelas daquela noite. E daí sentiu vontade de ouvir música, resolveu cantar, bem baixinho, só para ela ouvir. E sussurrou de olhos fechados a letra que vinha na sua cabeça naquele momento, não se preocupou em decorar nada, sabia que era apenas aquilo, e depois não lembraria. E isso era bonito, a beleza das coisas efêmeras. Abriu os olhos e teve vontade de pensar em outras coisas. Sorriu, matreira – não, aquela noite era dela e ponto! Levantou-se, voltou a dançar mais rápido e a cantar, mais alto. E todas as estrelas giravam em cima de sua cabeça, no mesmo baile que ela. Lá fora chovia, era inverno, mas nesse dia a chuva. O som das gotas a ritmar a canção. E um trovão, como um retumbar mais forte. Sua voz ecoando melodiosamente pela sala. Os pingos a descerem pelo vidro formando mensagens indecifráveis, desenhos surrealistas e novamente a beleza só de passagem, que no mais tardar pela manhã já teria ido embora. Escancarou a janela e sentiu a rajada de vento, que entrou sem timidez alguma e percorreu a casa. Lá fora, as folhas das árvores vizinhas num farfalhar constante.
_Boa noite lua, boa noite noite, boa noite vida, podem entrar e sintam-se à vontade.
Chegou para o lado, abrindo caminho. O relógio na parede marcava as horas, tirou a pilha e parou o tempo. Pelo menos por alguns minutos, enquanto ainda havia música em sua cabeça, enquanto saia um pouco do eixo e, sem testemunhas, deixava a loucura tomar conta, do corpo, da madrugada insone, das estrelas companheiras. Do outro lado da noite era tudo exatamente o mesmo, não queria voltar. Não existia motivo para desperdiçar um sonho tão bom. Continuou dançando, mas a música ficava lenta, a chuva ficava fraca e o sono ficava aparente. Não havia remédio, não demoraria muito, teria que devolver as horas.

sábado, janeiro 03, 2009

Adentrando o desconhecido

Na virada:
Ao estourar dos fogos e misturar das cores no céu, ela fechou os olhos e soube que mais um ano se fundia a todos os outros que começaram com aquele do primeiro choro, do momento em que abria seus olhos para a vida. O quê viria agora? Regras novas no português, isso sim já era assustador. Vestia o verde da esperança e o vermelho no soutien, para inspirar novos amores. Já era mais de meia noite e foi-se mais de meia garrafa de champagne, o finalzinho jogou no mar enquanto pulava as sete ondas. Esqueceu-se da lentilha, dos pedidos, apenas sorriu quando os fogos começaram, sinceramente torcendo para que ali adentrasse um ano tranqüilo (ainda com trema – pois não sabia quando poderia aderir à nova ortografia). Os primeiros dias do ano foram de calma no ritmo zen do resto do feriado.
Nota sobre o ano que acaba:
Ficou por muito tempo sem se permitir interessar por outras pessoas, não que faltassem candidatos interessantes no caminho, até que não faltaram, mas ainda se sentia amarrada, ressentida, não poderia se envolver com ninguém assim, não seria justo, não sem conseguir se soltar. E como gostava de se soltar e de sorrir, e de correr puxando pelo dedo, pela areia da praia pequena, aquele que seria o motivo do seu beijo mais sincero. E como precisava sonhar com rostos que correspondessem o seu amor. Merecia isso, já há bastante tempo. De todos esses encontros do ano que acabava, se arrependia de um especificamente, que se viesse em hora mais apropriada, em que seu coração estivesse mais intocado, mais inocente e conseguisse bater no compasso de sua música preferida... Por esse motivo tinha vontade de começar tudo de novo e dizer oi, como se ainda não o conhecesse. E encher de possibilidades e mistérios, e quem sabe transformar em gostar, algo de um começo torto. Ou quem sabe outros mistérios mais interessantes a aguardassem no novo ano. Basicamente era isso que queria.
Nota sobre possibilidades do ano novo:
Que valha ressaltar ainda, apenas um sonho que teve. Entrou enquanto a música ainda tocava. Conhecia as pessoas que estavam ali, de outros tempos, de outros encontros, e como sentia saudades. Acomodou-se em uma das cadeiras, como qualquer outro espectador, daqueles que sorviam aos goles suas bebidas, e beliscavam aperitivos gordurosos. As músicas também eram de outros tempos e igualmente conhecidas. Permaneceu ali sem ser notada, também muito mais velha agora, bem diferente do que eles deviam se lembrar. Não podia culpar o tempo. No finalzinho, com o show terminado, várias cadeiras vazias, muitas pessoas se movimentando, indo embora, levantou-se, com receio de que não a reconhecessem quando estivessem cara a cara. Isso importava menos. Seguiu até o palco, fazia tantos anos. A coragem motivada pela saudade. Eles já começavam a enrolar os cabos, ajeitar as caixas, abrir as cases. Ela parou sem dizer nada, e os outros levantaram os olhos, sem conseguirem adivinhar. Se olharam e antes de falarem qualquer coisa, sorriram. Seria um bonito reencontro.