terça-feira, agosto 26, 2008

Da alma

Teria sido pela viagem mais longa de ônibus, ou pelo cigarro enquanto esperava no ponto? Talvez tivesse sido a insônia da noite anterior... Não sabia precisar o motivo, o fato era que havia pensado mais sobre a vida, em algum desses momentos de nada para fazer. Em que se espera o ônibus chegar, ou espera que ele chegue em algum lugar, ou logo antes do sono apagar a mente enquanto se está deitada na cama. Confessava internamente que se agradava desses pequenos momentos de calma. Criava em sua cabeça as histórias que gostava de costurar a seu modo, e para ela somente. Histórias que jamais colocaria em um livro. Personagens que reservava para si, e que por ciúmes não dividiria com ninguém. Mas foi bem ali, em algum desses deleites particulares, que se desviou por outras andanças e foi dar na própria vida. Essa sem ficção e invencionices. E esbarrando em questões mais complexas, preocupou-se um pouco, não conseguia prever o final da história. Na verdade, não sabia nem por onde ia dar o meio e nem a próxima semana. Complicado... Bastou esse pensamento para estragar tudo. Então, lembrou-se de quando era criança. Lembrou-se da fazenda da tia, da goiabada no tacho, dos cavalos que gostava de montar. Não saberia dizer quantos anos fazia que não montava um cavalo, e talvez nunca mais montasse. Antes era quase certo, era férias se mandava para a fazenda. Recordou os meses à toa na casa da avó, a comida farta na mesa, os dias frios de café com leite, a brincadeira com os primos. Depois pensou no sítio do pai, as tardes de sol, correr com os cachorros no meio do mato, subir na árvore até o galho mais alto, pegar as frutas e comer ali mesmo. Por último pensou na infância em Belo Horizonte, no colégio e na brincadeira de bola com os amigos. Foi lembrando assim, devagarinho, sentindo assim, uma saudade quietinha. E não se agüentou, queria chorar ali mesmo, queria parar com tudo, descer do ônibus, se fosse o caso, e voltar. As noites de violão e cantoria, com a família em volta da mesa da cozinha, comendo queijos e tomando vinho, faziam uma falta de esburacar o peito. E não havia história que desse jeito. Nem lugar que fosse melhor que aquele... Quando mesmo foi o momento que resolveu pegar a mala e ir embora? Por que mesmo? Será mesmo que valeu a pena? Será?... Bom, antes de responder, ou se de desesperar mais, o ônibus chegou, ou o sono a surpreendeu. Mas a pergunta continuou flutuando em descompasso com outras histórias mais desimportantes.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Mundo dos sapos

Tem sapos no meu banheiro. Dois pequenos e verdejantes sapinhos. Um deles prende as escovas de dentes. O outro, eu ainda não tive curiosidade de abrir o pote e olhar. A parede da sala continua roxa, e alguns móveis os mesmos, mas não no mesmo lugar. Agora um ser branco e peludo dorme no chão de tacos, denomino-a de coisa mais linda do mundo, e ela sempre me faz querer voltar pra casa mais cedo. Porém, tenho tido algo que posso chamar de estranheza dos dias. É um sentimento deslocado, não sei se ruim necessariamente, mas que também não me agrada. Ando pensando em mudar trajetórias, tomar rumos diferentes, não sei dizer exatamente onde, o bom seria me surpreender. A frieza dos dias comuns me afeta. A dureza do nada me toca, muito menos me convence. Mais e mais aprendo a ficar sozinha, a atropelar a falta que sinto com um bom filme. Comprei um cachorro para os dias de carência. Sabia que ia dar nisso. Os amigos andam distantes e cansei de não conseguir me envolver com ninguém. Que mundo sem jeito. Acho que ta tudo errado. Eu preciso da vibração dos olhares, eu preciso de um dia em que tudo pareça novo, inusitado. Eu preciso me encontrar nesse espaço, casa, cidade, preciso me encontrar em alguém, preciso que alguém me encontre... Bom, bobagens. Pode ser que nada disso aconteça, e eu me habitue. Pode ser que esse vazio dentro de mim, continue a se expandir e então... É disso que tenho medo, do vazio. Outro dia li, de um escritor que gosto muito, que os poetas são melancólicos e sempre sozinhos, veja bem: sempre. O sofrimento alimenta a poesia. Tão triste. Tenho tido muito sono de manhã e escrito pouco. A música também anda esquecida, naquele canto do violão fechado. Quanto ao amor... O engraçado é que escapou pela janela e nem percebi, distraída que sou. A salvação estaria no momento no qual se percebe que todo o querer era estar exatamente ali, em nenhum outro lugar, com mais ninguém. Mesmo que esse lugar seja a sala empoeirada da sua casa. O que dói é que sei como é. Para leitores mais desatentos, eu digo: isso é o amor. Meu mundo dos sapos vai indo por esse ano sem cor, que mal começou já está terminando. Enquanto isso, observo o encontro das outras pessoas e espero.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Conversa eletrônica

_ Oi, você ta ai?...
...
_ Bom, só liguei pra dizer que...
...
_ Na verdade, eu tava pensando... Eu tava aqui, fazendo nada, matando o tédio com um cigarro, fui até a varanda, olhei o mar... Ta frio hoje, eu gosto desse friozinho... Não me deu vontade de colocar nenhuma música, às vezes eu gosto do silêncio, só o barulho dos carros lá fora... Longe... Ai eu apaguei o cigarro, o cinzeiro ta cheio de guimbas. Voltei para sala e liguei o computador. Nenhum e-mail novo, ninguém interessante no msn, nada, nada, nada para fazer. Eu tava sem sono, sem livros não lidos na estante, sem vontade de ler o jornal em cima da mesa, sem criatividade para continuar escrevendo as minhas histórias... Você me conhece. Fiquei confabulando comigo mesma.
...
_ Eu queria ter gravado algumas coisas, minha memória não é tão boa, me esforço para lembrar, começo a refazer a cena na minha cabeça, do jeitinho como aconteceu e de repente, tudo começa a ficar embaçado e some. Você ainda pensa em mim, em algum momento de distração? E então, sorri? Depois se esquece de novo?... Eu simplesmente não esqueço... Esse meu jeito de guardar as coisas, me apego demais. Mas não demonstro, e se me perguntarem, sem pestanejar, digo que já passou...
...
_ Foi difícil me obrigar a não gostar mais, parei de te ligar e te evitei ao máximo, sempre lutando para não estender a conversa, para não pedir que ficasse... Sabe? Me habituei... Maltratei o meu amor. Passei a ignorá-lo e fingir que não existia. Era mais fácil quando ficávamos muito tempo longe... Ai, eu fingia que você também não existia...
...
_ Fui acreditando na minha própria mentira... As recaídas só acontecem quando passo além da conta na bebida, quando ouço as músicas que te lembram, quando esbarro com seus olhos em alguma esquina... Quando adormeço e sonho...
...
_ Me acostumei a fingir que ta tudo bem... Bom, eu tava aqui à toa, fumando um cigarro... Resolvi ligar...
...
_ Só pra dizer assim, que deu uma saudade...