terça-feira, novembro 25, 2008

Malditas Borboletas!

Lista dos itens que precisam ser adquiridos no supermercado das emoções:
Sorrisos – para deixarem os dias bonitos.
Olhares – para fazer os finais de tarde e noite interessantes.
Surpresas – para saber que você não é o dono da história e coisas inesperadas acontecem.
Encontros – para ter certeza que você não pode viver sozinho.
Satisfação – para saber que o que você faz vale a pena.
Sorte – para tudo se precisa de sorte na vida, até para atravessar a rua.
Borboletas – para se inserir na barriga, perder o chão e a respiração e ter a mais absoluta certeza que você não tem certeza de nada.
As borboletas andam em falta no estoque. O pior é que ninguém sabe dizer quando elas vão aparecer de novo. Malditas borboletas. Cuidado! Elas são uma droga perigosa e pior, não se compra e nem adianta procurar porque não se acha, principalmente se você procurar. Elas aparecem assim, do nada, quando menos se espera e então, entram garganta abaixo, seguem apressadas e se instalam sem aviso prévio, ali, próximas ao estômago, é recomendável respirar fundo para conter a possibilidade do vômito. E depois aprender a conviver com elas. Isso é fácil. Adoráveis borboletas. Deixam a vida leve, trazem sorrisos, encontros e muita felicidade. Mas também trazem insônias, medos e um certo ciúme, porém tudo recompensável pelo delicioso bater de asas. Fique tranqüilo, vale a pena. Mas sinceramente, a abstinência é lastimável. Coitados dos que já experimentaram. Depois sofrem. Sobra um gosto amargo, de asas mofadas na boca, de cabo de guarda chuva misturado com tristeza do dia seguinte. Uma receita que pode azedar com desilusão, ou passar do ponto com muita facilidade. Delicadas borboletas. Não importa, nem todas as receitam dão certo e saiba viver com isso. É preciso aprender primeiro a domá-las, reze para que batam asas para a pessoa certa. Porque também tem isso, algumas são meio tapadas e insistem em voar para o caminho errado. Borboletas burras! Exatamente como uma droga, tem que saber a procedência, ponderar e então deixar o caminho livre. Caso contrário feche bem a boca que elas acabam desistindo e indo embora. Se você é desses que anda com as borboletas em falta, sinto, mas não tenho conselhos. Borboletas ardilosas. Desaparecem mesmo, de tempos em tempos. Acho que a cada dia ficam mais raras. Por isso, para os que estão com as suas bem alimentas e sadias, digo: valorize suas pequenas eufóricas, trate-as bem, porque senão elas podem querer ir embora, e ai meu amigo, não tem jeito. Para os que nunca experimentaram... Bom, para esses posso berrar se for o caso, corra atrás das suas, o quanto antes, depressa, senão a vida passa, e ai vai ser tarde, uma página em branco. E pode apostar, deliciosas borboletas.

sábado, novembro 22, 2008

Sonhos

Presa no alto da parede uma luminária japonesa deixava o quarto azul. Clara foi até lá enquanto dormia, olhá-lo, na cama que era dela, e um dia, fora dele também. Não se sabe como descobriu que Frederico se apossara do seu apartamento enquanto estava fora. Durante um final de semana. Ele remexendo a sua intimidade. Ela observando as coisas que ele tirava do lugar. Clara se ajeitou com a cabeça apoiada no braço, deitada de leve ao seu lado, admirando os sonhos que o tomavam. Os olhos presos na nuca que conhecia tão bem e queria tocar se os dedos mais corajosos fossem. Mas contentou-se em olhar, apenas acalentar o sono, embalada pela respiração mansa. Deixava dobras no lençol quando se mexia um pouco. O sorriso no rosto, inevitável, estava feliz em vê-lo. Frederico dormia de lado, de costas para ela. Quieto, somente um respirar mais fundo. Veio o vento, a janela um pouco aberta, não mais que o suficiente para arrastar o cheiro. Frederico reconheceu o perfume. Por um segundo parou e sem respirar, guardou nos pulmões a lembrança. Abriu os olhos. Sentindo a presença dela, o calor do corpo, familiaridade maior que a imaginação poderia criar. E sem tempo para se preparar virou-se para vê-la. Clara dos cabelos curtos, olhos brilhantes, ainda sorrindo, olhava para ele. Exatamente como se lembrava. Os dois se olharam. Não mais que um instante. Ela pediu desculpas. Uma, duas, três vezes... Calou o silêncio confuso dele com um beijo. Depois outro. Ainda no escuro mudo, azulado pontualmente, ela se levantou e o levou para o meio do quarto. Os dois de pé se abraçaram, com o peso dos anos, com tanta saudade, mas como se fosse ontem, a última vez. Como se ainda se conhecessem insuportavelmente, sem outros dias em branco e algumas mudanças. Se amando e esquecendo-se dos pesos, das cobranças. Porque se amavam ainda. Em frente ao espelho ela o envolveu por trás e se olharam pelo reflexo. Um enxergando o outro. Aproximando-se do vidro, mais a cada passo. Até que pudesse tocar e desenhar com o dedo o rosto dela, margeando a face, a boca, o cabelo e depois os olhos. Que seguiam bem fundo para os olhos dele. E assim, os dois círculos pretos se refletiam.

quinta-feira, novembro 13, 2008

As pontas da linha

Ainda não encontrei o fio do teu casaco que ficou preso no meu guarda-roupa e foi se desenrolando corredor a fora. Depois, na sala, passou pela porta e despencou na rua. E foi se desfazendo em linha contínua até você atravessar para o outro lado da calçada e sem olhar para trás, sumir depois de virar a esquina. Não fui atrás de você, apenas fechei a casa, recolhi o resto das roupas jogadas nos cantos e guardei no armário. Foi ai que notei, que como um novelo desfeito, atirado por brincadeira pelos cômodos, estava ali aquele fio, preso na beirada da gaveta e percorrendo o chão de tacos. Fui até a janela, depressa confesso, para conseguir ainda apanhar-te com os olhos, antes que os prédios vizinhos te sugassem. Foi o tempo de uns poucos passos e você sumiu. Outras pessoas passaram. Mas como um rastro, ficava entre os paralelepípedos o fio colorido que você deixava. Você não estava mais lá. Culpa minha também, que não pedi para que ficasse. Apenas assenti com a cabeça baixa, para não te olhar nos olhos e me denunciar imediatamente. Suplicantes, eles gritavam para que esperasse. Apenas o tempo do café. A água já estava no fogo. Borbulhando. Evaporando a cada estourar das bolhas efêmeras. Não, você foi antes de pensar duas vezes, antes que pudesse mudar de idéia. E eu fiquei. Presa no fio do teu casaco, que fui enrolando lentamente, com a pretensão de chegar à outra ponta, um dia. E depois disso, devolvê-lo quem sabe. Ou atirá-lo pela janela. Sentei para tomar o café, na companhia da cadeira da frente, vazia. E me esmerei em recolher a linha, sem pressa. Demorou um pouco. Doeu um pouco. Ela teve que refazer todo o caminho. É, ainda não encontrei a outra ponta, o percurso foi longo, mas cada dia que passa ela chega mais perto. Você repuxa o fio algumas vezes, posso sentir, de leve, ele se movendo um pouco. Do outro lado, o seu toque. Como se de propósito você o tivesse amarrado na beirada da minha gaveta, para que eu não perdesse a linha. Para nos manter de alguma forma ligados. Entre nós, o fio do teu casaco, fazendo o trajeto das nossas casas. Nos unindo. Não se preocupe, eu ainda sei o caminho, é perto. E você também não se esqueceu, tenho certeza. Mas por precaução, você ainda o segura. Eu deixei ali na estante, meio de lado, esperando pelo dia em que você vai soltar completamente, e afinal vou poder fechar a porta.