sexta-feira, março 23, 2007

T.

Quero chorar, a noite me contempla com as horas que faltam para amanhã. No cigarro, o último trago, vício adquirido. Não consigo dormir, na cabeça tudo o que falta. Você falta e falta porque tive, se não tivesse tido, talvez não fizesse tanta falta. Porque passa, porque pára, porque por um instante olha, e depois passa, como que naquele instante nada... E tudo que esconde, guarda, carrega, é possível que tenha mudado tanto? Se lembra? Não sei. Achei que soubesse um dia atrás, muito atrás dos outros. Beijei, abracei, cheirei, acordei, dormi, tive, tivemos. Ou não, ingenuidade minha. No momento tudo não passa de recordação apagada, borão que machuca. Dormir não posso. O silêncio agúdo, solidão que fica, não passa. Outro cigarro, toma nota: vou parar de fumar. Hoje, tua camisa listrada, fui depois dela para a barca, não sei se te continha, não sei de mais nada. A não ser do pensamento que volta nas horas mais ingratas como agora. E, por isso, escrevo. Sinceridade, o quê mais importa? Botar para fora, preciso do choro que não sai, fiquei fria, triste, não queria assim. Mas a ausência e nenhuma palavra, nenhuma, nem uma última, o quê te importa? Eu digo! Nada. Já foi, e para daqui em diante, o silêncio resolve. Isso é egoista e fácil, para mim não. Sempre detestei o buraco negro que suga as coisas. Não queria te ver, ter que ver, ter que fingir. Mas a rua é pequena e a gente se esbarra, e você passa, não some e continua ali, no momento em que pára e olha. Sinto, não consigo dizer tudo, o resto guardo. Por fim aviso, serei falsa, qualquer manifestação próxima, só mesmo um último traço e despedida. Continue no seu silêncio fácil e sem abalos, que um dia eu também passo. Apago o cigarro e fim, sem beijos.

quarta-feira, março 14, 2007

Nos tempos de Audrey


O amor em preto e branco, o beijo romântico: o homem inclina um pouco a mulher em seus braços e a beija num rompante. A bonequinha e o luxo. Às vezes, faz falta o cavalheiro à moda antiga, daqueles que abrem a porta do carro e pagam a conta. Faz falta aquele amor, que conquista, que sofre, mas que é tão certo e único, que não existe mais nada no mundo e depois de todos percalços se concretiza triunfante num beijo, quando o moçinho corre atrás da mocinha na estação de trem. Hoje é corre e corre, o metrô, os passos, a vida, o amor. Sentimento demais virou uma coisa retro, e fora de moda. E o homem e a mulher, modernos? Não tem mais tempo para beijos que se perdem em longos deleites. Os relacionamentos contemporâneos são apimentados à base daquela rapidinha, daquela única noite, daquela falta de compromisso, porque convenhamos, o que vale é curtir a vida e pra quê trocarmos telefones, se sabemos que ninguém vai ligar no dia seguinte? Vida moderna... Bom, melhor comprar um cachorro para os momentos de carência. Enfim, paixões de uma semana, beijos vazios, dormir e acordar na mesma cama, para dali alguns dias um grande buraco negro na mente sugar a lembrança para sei lá onde. Bom mesmo era nos tempos da bonequinha, objeto sim, mas venerado e ostentado com luxo.