domingo, dezembro 25, 2005

A menina contra o vidro

A borboleta se debatia contra o vidro. O lilás, o amarelo e o vermelho de suas asas indo e vindo, valsando no compasso de seu vôo inútil e sem destino, intercortado por um obstáculo translúcido. Do outro lado, toda a paisagem que ela não podia alcançar. Incansável, a borboletinha insistia, continuava a percorrer o vidro em busca de uma saída, qualquer saída, ou solução.
Detida pela cena, a menina observava o dilema do inseto, imaginando que a borboleta contra o vidro era a metáfora perfeita para sua vida, seus sentimentos e pensamentos se debatendo em sua consciência, e ela sem saber se os devia libertar...
Tateava o vidro sem poder compreender o que a impedia de chegar mais adiante. Era contradição demais para sua cabeça de borboleta.
Já estava ficando tarde e a menina abriu a janela.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Holofote

A lua nascia por trás do morro... Era um bom momento para refletir. Por entre as casas mal acabadas da favela a lua subia, iluminando o contorno daquelas construções toscas e estabelecendo algo incomum para tal paisagem, a beleza. O grande círculo imperava no crepúsculo... Veio um samba em sua cabeça, como se dedos batessem em uma caixinha de fósforos, incessantemente... Teve vontade de dançar, seus pés acompanhavam o ritmo. Ela debruçada na janela, os outros se divertindo na sala, rindo alto. Percebeu que alguém se aproximava, seus olhos deram com os olhos dele. Ele sorriu, e sem dizer palavra, colocou seu braço ao redor do ombro dela. E enquanto a lua filmava o amor dos dois, eles se beijaram, pela primeira vez.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Simplesmente azul

Queria distinguir a linha tênue, que, lá no fundo, separasse o horizonte em dois. Espremia os olhos a fim de enxergar o limite, a fronteira entre mar e céu. Porém, do alto daquela pedra, de tão distante e de tão claro o dia, só podia ver os tons de azul que iam se misturando até se tornarem uma mesma cor. O vento lhe soprava perto do ouvido uma melodia calada e triste, sentiu frio. Se pudesse congelar aquela imagem diante de si e guardá-la para sempre, emprestaria seus olhos de vez em quando aos amigos para que vissem como era lindo o que ele via. Refletiu sobre a vida e, naquele instante, todas as coisas lhe pareceram belas. Continuava mirando o azul, as nuvens já tinham ido embora, o mar sem ondas. Hipnotizado, tentava reter cada detalhe daquela fotografia única e efêmera. Dentro de poucos segundos, o pôr-do-sol mancharia o céu e traria a noite e a escuridão. Esforçava-se em memorizar, ciente de que seria impossível esquecer, os pedacinhos da imensidão simplesmente azul.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Estalo

Antes, a minha vida daquele jeito meio sem jeito, sem forma, sem surpresas, meio sem graça, me bastava. Talvez fosse por tolice, ou o mais provável, por eu não saber como tudo podia ser diferente. De repente me deixei carregar pelo mundo, caí sobre o novo e experimentei, temerosa, essa outra vida. Quando dei por mim, já não era a mesma pessoa, me descobri repleta de possibilidades e ávida por elas. Agora, se aquele antigo eu tentar retornar sorrateiro, o rejeito e rechaço. Aquela vida de um outro dia, em um passado recente que me parece distante, não me basta mais.


segunda-feira, dezembro 12, 2005

Cores do amor

Desde o dia em que eu te vi
que eu não sei mais como agir
tropecei no meu cadarço
não sei mais como é que eu faço
quis cantar o amor
meu violão quebrou em mil pedaços

Ia pela rua em que eu te via
disse oi, você sorriu pra mim
caminhava distraído
e não vi aquele poste

Catavento, cotovia
couve-flor, carman ghia
coração que eu desenhei
sem conseguir dormir

Então me diz quais são as cores do amor
diz se tem cheiro de flor
se eu vivo no mundo da lua

Esperei você passar
antes de sair pra trabalhar
perdi o ônibus
que só parou
para você entrar

Apertei a campainha
quis sair correndo feito criança
Gaguejei quando percebi
que você me percebeu

Amarelo, arco-íris
asa delta, arlequim
meu amor de quem
roubei um beijo e parti

Então me diz quais são as cores do amor
diz se tem cheiro de flor
se eu vivo no mundo da lua