domingo, agosto 17, 2014

Fome

Não adianta não
Eu nasci um ser poético
E por mais que eu me atole em trabalho
Penso em você todos os dias

segunda-feira, setembro 23, 2013

CARTA ANÔNIMA – (Caio Fernando Abreu)


Para ler ao som de Melodia sentimental, de Villa-Lobos, cantada por Olivia Byington.
 
Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra. Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais frequente, e me deixava irritado, agora não, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés delas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.) E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam? Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olivia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Wim Wenders, mais Cecília Meireles que Nélson Rodrigues. Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua. Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão Cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão frequente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! Como se fosse verdade, um beijo.
O Estado de S. Paulo, 16/3/1988


 




 

segunda-feira, novembro 26, 2012

O povo do velho Chico

Foto: Hebert Canela


O velho Chico
Belo
Alaranjando
Engolindo o sol poente
Anoitecendo
Envolvendo com suas águas caudalosas
As últimas cores do dia
Que dia!
 
Que espetáculo!
Quem dera Deus pudesse ouvir mais essa gente
Gente lutadora, sofrida, perseverante
Que não se entrega
Gente da terra vermelha e quente,
Da chuva escassa
Gente da poesia da semente
E do canto do sabiá
O rio acolhe esse povo e grita com ele
Povo bravo do rio São Francisco
Resiste!

sexta-feira, agosto 31, 2012

Um conto pequenino

Eram três irmãs na janela.


A primeira casou-se cedo, teve um par de filhos, um menino e depois uma menina. Era pedagoga de formação, mas nunca exerceu a profissão. Um dia como qualquer outro, deixou cair uma lata de ervilhas no supermercado, ao fazer as compras do mês, e enamorou-se perdidamente por Paulo. Largou tudo, os filhos já estavam praticamente criados, foi pruma cidadezinha do interior, abriu uma livraria junto com Paulo e foi feliz.
A segunda era da pá virada. Fez de tudo um pouco. Assim que terminou o colégio não quis se comprometer nem com faculdade, nem com casamento. Aderia às manifestações do povo e trabalhava para juntar um trocado e viajar pelo mundo. Viajava até onde o dinheiro dava, quando ele acabava fazia mais uns bicos e viajava mais um pouco. Sua morada era sua mochila nas costas. Perdeu-se pelo mundo. Não teve filhos. Essa sempre foi feliz.
A terceira era a mais quieta e seguiu a cartilha até certo ponto. Teve boas notas no colégio, fez faculdade de arquitetura e comprou um apartamento. Gostava de poupar dinheiro para comprar as coisas e sentir-se segura. Apaixonou-se algumas vezes, até que se juntou com Cícero. Será que isso era tudo? Ela se perguntava. A felicidade estava ali? Contida nas economias, no emprego, na casa, no relacionamento estável? O próximo passo seria um filho e tudo estaria completo, como seus pais haviam previsto desde o dia em que ela nascera. Mas achava cedo, não se sentia pronta. Resolveu escrever um livro e acabou se descobrindo. Estava vivendo a vida de outra pessoa. Vendeu tudo, terminou o namoro e foi explorar as possibilidades. O livro ficou inacabado, mas assim que partiu para a vida, encontrou a felicidade.

domingo, janeiro 15, 2012

Escritor

Quando escrever é diversão, prazer, necessidade, desespero de expressão, rotina, casa, rua, no papel, no computador, na mão, ou apenas imaginar as palavras e as frases que descreveriam aquela cena diante dos olhos.

domingo, dezembro 18, 2011

Até breve Sérgio

Hoje amanheci com a triste notícia da morte do Sérgio Britto. O meu dia escureceu em meio a uma manhã ensolarada de céu azul. Eu gostaria de dizer para ele, obrigada. Obrigada pelos ensinamentos, pela generosidade, por me apresentar a cineastas maravilhosos dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Lembro-me de vê-lo passar, cabelos brancos, andar lento, óculos no rosto, sempre simpático, acenando para todos. Nos primeiros dias do meu primeiro estágio na TV E, eu o olhava de longe, pensando na honra que era trabalhar ali, no mesmo lugar que ele. Eu não trabalhava no “Arte com Sérgio Britto”, mas na convivência diária da TV, eu podia observá-lo, meu olhar atravessava a sala, e via-o em sua mesa preparando seus textos, pensando nos temas que seriam abordados e quando nos esbarrávamos nos corredores, ouvia-o falar de arte e de cultura. Durante o primeiro ano que trabalhei na TV não tive coragem de me aproximar mais, abordá-lo e conversar, apesar de ter tido muita vontade de fazê-lo. Simplesmente não sabia o que dizer quando as chances surgiam e deixava o momento passar. Depois de pouco mais de um ano na TV, o programa que eu trabalhava terminou, e acabei indo parar justamente no programa do Sérgio. Lembro-me do dia em que fomos apresentados, e finalmente, a partir daquele momento tive a oportunidade de conhecê-lo. O Sérgio, além de um ator espetacular, era um profundo conhecedor das artes. Nas estantes da sua casa, eram livros e filmes de perder a conta. Durante o tempo que trabalhei com ele pude aprender muito e arrisco dizer que perdermos nosso maior conhecedor de cinema e teatro. Eu já estava há um ano e meio na TV e resolvi tentar coisas diferentes, outros trabalhos, mas guardei um carinho enorme pelo Sérgio, que ficou maior ainda quando, um ano depois, ele aceitou fazer uma participação no meu filme de conclusão de curso, que realizei junto com amigos da faculdade e da TV. Eu não posso dizer fui uma pessoa muito próxima do Sérgio, mas já me orgulho por tê-lo conhecido um pouco. E posso dizer que ele tinha uma maneira simples de ver as coisas, e de levar a vida. Lembro-me do que ele me disse durante a filmagem do curta logo depois de ser abordado por um senhor que passava: “Sabe, Marcela, uma das melhores coisas de ser ator é que as pessoas se sentem à vontade para se aproximarem e falarem com você. E isso é maravilhoso!”. Escrevo esse texto, Sérgio, para te agradecer. Agradecer pela oportunidade, pelos ensinamentos e pela generosidade, pois você, um grande ator, ajudou uma equipe de jovens começando carreira a fazer um filme, sem cobrar nada por isso e se divertindo no dia das filmagens. E ainda contribuiu na divulgação depois que o curta estava pronto fazendo uma matéria no seu programa. Podem se passar muitos anos, eu não vou esquecer isso, pois esse é um pedaço lindo da minha vida, do qual você faz parte. Muito obrigada.

sexta-feira, novembro 11, 2011

Sobre tudo e sobre nada

De repente liguei o rádio e um rock, de outros tempos, encheu a sala. E mais do que o corpo que se balançou junto quase involuntariamente, teve a catarse que explodiu em silêncio num lugar mais profundo que a alma, em um lugar inominado. Lugar conhecido e reconhecido, aquecido pela música e desperto depois de um longo período adormecido.

O que há além da lua cheia que se exibe e da folha seca partida? Partida em muitos pedaços que de tão despedaçados se tornam poeira soprada para longe. A matéria se transforma. Nos momentos em que a inércia permanece fica tudo imutável até que numa topada você cai no chão e ao se levantar, nada mais é como antes.

Foi há muito tempo? Talvez não. Mas algumas vezes poucos dias se transmutam em eternidade. Outras vezes palavras não são necessárias e os olhos falam muito mais por nós do que conseguimos articular, juntar voz, vontade, coragem e concretizar frases para dizer o óbvio. Para quê?

Quando falta quietude e sobra angústia e ansiedade os instantes aleatórios ao longo do dia são preenchidos com pensamentos saborosos.

terça-feira, junho 14, 2011

Balada triste

Por enquanto, o tempo chora,

Vazio, perdido, a espera

Já houve outro tempo,

Que era pressa,

Inusitado rir, alegre

Que cobria a sala,

Cheia

Como um cobertor

Na noite fria

Como se existissem pés,

Quentes,

Envolvendo outros

Frios.

Com a brandura da certeza

Que se dissipou,

Aos poucos.

O tempo hoje

É dúvida.

terça-feira, janeiro 18, 2011

emaranhados semi-lúcidos

Hoje, finalmente, acordei sem o cheiro do álcool. Não me mexi, apenas o movimento das pálpebras, que se abriam e fechavam, sonolentas. Aproveitei para te admirar na penumbra antes de abrir as persianas. Teu sono devia te levar para um lugar bom, que de leve um sorriso te estampava o rosto. Evitei abrir as janelas para que o dia não escancarasse a verdade que se escondia entre mim, os lençóis e você... Me dei mais um instante de mentira. Há muito tempo não acordávamos assim, numa manhã sem ressaca, sem que tudo se transformasse numa confusa consequência de etílicos da noite passada, da qual raramente nos lembrávamos. A sobriedade sempre me fez pensar demais. Ficavam as perguntas me bombardeando e um céu pesado sobre minha cabeça. Resolvi sair à procura de uma cerveja na geladeira, a derradeira se encontrava atrás de uns vidros sem água, gelando o vazio. O estalo que a latinha fez ao abrir foi melhor que o primeiro gole. Quando o líquido esfriou meu corpo e se aconchegou a calma, sentei-me para ler o jornal. As tragédias do mundo não me espantaram o suficiente, e logo me desinteressei. Parti para um lugar longe sem sair da cadeira. Alguém te conhece mais do que eu? Se um dia me encontrar com o destino vou perguntar por que cruzou nossos caminhos. Cansei de astrologia, não quero mais saber da posição dos planetas, nem das casas do zodíaco. Você mente! A questão é: quando me olha, ou quando fala? Não gosto de me distanciar das pessoas, mas, às vezes, acontece. Você acordou e ficou de pé perto do beiral da porta me olhando enquanto fumava um cigarro, enquanto eu terminava a minha cerveja. Esperávamos pra ver quem quebrava o silêncio e a primeira palavra. Percebi que rabiscava no jornal: “Do que você tem medo?” Na maior parte do tempo eu não sei pra onde vou. Mas sempre chego a algum lugar. Você me deu bom dia e roubou o último gole quente da cerveja, bebeu feito leite, e sorriu antes de se sentar na minha frente e pegar também o jornal.Tenho mania de escrever por metáforas, desculpe, não posso evitar, é o meu jeito de falar para dentro. Eu já fui tantas e sei que nunca mais vou ser nenhuma delas. Alguma coisa já havia se perdido no caminho, uma peça que se soltou da engrenagem e ficou pela estrada, tomando chuva. Tenho a sensação de que a perda é irrecuperável. Às vezes já nem sei mais quem sou. Eu não voltei para procurar nada. Não olhei para trás. O que restou foi continuar andando. E no final percebi, que medo, temos todos.

sábado, dezembro 11, 2010

Poetando...

Então fez-se a poesia,
para que as pessoas
pudessem captar
orgasmo
da combinação
inexplicável
de palavras comuns.