segunda-feira, janeiro 21, 2008

Horas Nuas

(roubando um pouco de Chico)

As janelas olham, por trás delas, algumas moças esperam... Na frente, o mar e a noite que cobre, com as estrelas cintilantes, todas as janelas. Os retângulos luminosos, ao longe, me parecem igualmente estrelas a perderem-se envoltos no breu. E eu que também me perco, nas horas e nas janelas. Só queria dizer como é triste ouvir no meu silêncio solitário a saudade que sinto. Fico debruçada por aqui, a procurar no pensamento qualquer coisa que te lembre, pra ficar mais perto. Fechar os olhos e desenhar com a lembrança. Me esmerar em cada traço. E é triste, porque eu gosto tanto...
Imagina... A gente se encontrar por ai, numa noite dessas com lua a despontar. E rir sem saber se é truque, ou coisa assim de vida real. E virar colibri, a cantar. Em toda canção a gente ia espalhar gargalhada, como palhaços sem fantasia e nariz vermelho. E ali por dentro encontrar um coração cheio de melodia. E sabe a chuva que chegou agora? Olha! A moça, que a gente não sabe se é triste, a derreter-se como pintura pela rua. Não seria bom entrar na vida dela e derreter-se também?
E ao soletrar seu nome, sem dizer, apenas num sussurro mudo... Tão escuro. Me escuta? Não consigo dormir enquanto o tempo teima em não passar, mas preciso. Recolher o sentimento. Complicado se desvencilhar assim, parece que os dedos ainda se tocam, e depois nada. Será que consta em algum lugar que a gente vai se entender, um dia? Que se dane!
Te liberto, mesmo sendo falsa, mesmo sem querer. E me liberto também. Fecho a janela tentando ver na escuridão o caminho. Despindo as horas de todos meus dias, que nuas, vão me ajudar a socorrer o amor. O poeta que vaga. E hoje à noite, posso me perder para tentar encontrá-lo. Mesmo que a lua se apague.

sábado, janeiro 19, 2008

A CHEGADA

(José Ubirajara Guimarães Bertoletti)

Princesa...
Já adentrara eu os cinquenta, quando chegaste.
Munindo-me de toda a coagem, fui esperar-te à porta da vida.
Suei, sofri, e chorei, ao vires à luz.
Eras uma pequena coisinha que também chorava.
Depois,
enrolada em casulo, colocaram-te nos meus braços e eu te embalei,
enquanto os teus olhos, grandes e inteligentes,
fitavam-me com atenção.
E, então,
chamei-te de princesa e dei-te as boas vindas a este mundo de Deus.
E declamei para ti, em prosa e verso, as minhas andanças
pelas terras ao léu, à tua procura.
Falei dos anos sofridos à tua espera.
Contei como, cavaleiro Rocinante montado, investi contra os moinhos,
querendo preparar um mundo melhor
para a tua chegada.
Falei das minhas vitórias e dos meus fracassos.
Dos moinhos, que tornaram a surgir.
Do meu desespero, porque tu tardavas.
E, finalmente, da minha alegria, felicidade e ventura,

porque estavas aqui.
E tu me olhavas,

Compreendendo...
_Sim! Compreendendo!_
tudo o que eu falava, naquele momento
_o mais feliz
da minha vida.
Os dias passaram... As semanas passaram... Passaram-se os meses...
E foste crescendo... crescendo...
E, desde cedo, aprendendo a sorrir.
E, por trás de cada sorriso,
antevejo um mundo novo e sinto que a minha espera
não foi em vão.


Belo Horizonte - 28/07/1986

terça-feira, janeiro 15, 2008

Pra...

Pra dizer que as estrelas estão mais brilhantes
E cantar com a voz mais bonita
Pra escrever cartas de amor sincero
E escrever o que vier na cabeça
Pra caminhar, se sentir a mulher estonteante
E sorrir como se a felicidade te pertencesse
Pra dormir como se o sono viesse tranqüilo
E sonhar sonhos que se tornem mágicos
Pra ser um sonhador sempre
E acordar como se o céu estivesse azul pra você
Pra conversar só de jogar conversa fora
E rir de perder o fôlego
Pra ouvir uma música que dá vontade de chorar
E ouvir uma música que te faz sorrir
Pra falar palavras no ouvido de alguém
E ouvir palavras que te façam tremer
Pra amar sem ter medo
E se deixar amar sem medo
Pra fazer o amor valer a pena com beijos
E abraçar e se perder no tempo com alguém
Pra deixar tudo pra lá e sair pela rua
E correr na chuva e se molhar
Pra dizer eu te amo pelo menos uma vez
E beber de perder o controle pelo menos uma vez
Pra se jogar no mundo com uma mochila nas costas
E ir pela estrada, ver que bonito o dia
Pra chorar se for o caso
Mas sorrir o máximo possível
Pra ter amigos como irmãos
E pra que uma noite comum vire festa
Pra lembrar com um suspiro de saudade
E fazer a vida valer a pena no final de tudo isso

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Carta para o amor que acaba

Provavelmente hei de colocar o papel debaixo da porta e sair correndo, tão logo tocar a campainha. Ou nem isso, talvez não toque a campainha e espere você chutar o envelope, descuidadamente, e se dar conta de que ali, por ter o seu nome escrito, sem remetente, contém algo que te importe, que valha um momento da sua atenção. E você abrirá, rasgando a lateral com a faca da cozinha. Posso apostar que vai estar na cozinha, com o pano de prato jogado nos ombros, pois mal acabou de lavar a louça, e fumava um cigarro. E então, vai ler as palavras, que eu não podia, assim simplesmente, dizer. E com tudo em preto e branco, você não vai ouvir e eu não vou falar. Mas as palavras, leves na tua mão, você vai sentir pesar, como eu, e doer. Mesmo que lá no fundo, só alguma coisa, que te faz perder o olhar fora desse papel e pensar.
O papo pode ser longo, desse modo, sinta-se a vontade para colocar a água no fogo e fazer um café, aproveite que está na cozinha, com o pano de prato a tira colo. Se eu estivesse ai, puxaria um banco da mesinha perto do fogão, e me serviria do café. Fumaria um cigarro, enquanto lê. Mas preciso ir. Querida, me perdoe. Perdoe a falta, perdoe o silêncio, e todas as discussões. Culpe o amor, se for o caso, aquele bandido. Te deixo os beijos, que valem a pena lembrar e algum sorriso. Escolha um bem bonito. Ou uma música.
Posso ver a cena, você atrapalhada, com os dedos entranhados no cabelo, lendo, me mal dizendo em pensamento. O cigarro no cinzeiro, quase queimado por inteiro, restando um último trago. Mas você nem lembraria. O café esfriando na xícara, sem doce, porque não encontrou o açucareiro. Eu estarei longe, no caminho do esquecimento. Terei ido com a mochila nas costas, para a rodoviária, sem bagagem pesada. E no primeiro assento do ônibus, irei com os pés no vidro, vendo o asfalto correr entre os tênis vermelhos, um deles desamarrado. Pensarei em você, pode estar certa, mas só como algo para recordar. Preciso me afastar para guardá-la como pedaço bom da vida. E te escrevo para esvaziar o meu amor e dar-lhe aquele traço de despedida.
Não se preocupe comigo, ficarei bem. Fecho os olhos e te dou um daqueles abraços longos, aqueles que a gente se apertava forte para se sentir perto. Sei que existe a distância, agora, dos corpos e dos sentimentos. Mas te mando o meu abraço para você colocar na caixinha das coisas antigas e esconder debaixo da árvore. Fique bem e me desculpe mais uma vez. Preciso te deixar partir e vou pegar a estrada primeiro. Quem sabe a gente se esbarra um dia, vai tomar uma cerveja e rir de tudo isso.
Como lembrança ficarei com o instante antes de te beijar a primeira vez... Depois de tanta conversa e de te segurar no sofá. Você me olhando em silêncio, porque a gente se calou de repente. Esperando que eu fizesse alguma coisa, eu sem saber como. E aquele segundo que separou os seus lábios dos meus, antes de eu fechar os olhos e me atirar, delicadamente, sem sentir, sobre você, com o coração aos atropelos... Então, prendi a respiração e tudo ficou suspenso no ar, por milésimos de tempo, deliciosos milésimos, que continham a última dúvida. Lembro como se fosse longo o momento em que nos olhamos, e somente os olhos falaram. E quando finalmente os fechei e não te vi mais, ele veio, o beijo. Junto um sorriso.
Eu não te odeio querida, muito pelo contrário. Escrevo para dizer isso e me despedir. Pois preciso me desencontrar de você, para que o amor acabe. Espero que uma hora se depare com as palavras que deixei em algum canto. E entenda.

Beijos e aquele abraço longo...