Provavelmente hei de colocar o papel debaixo da porta e sair correndo, tão logo tocar a campainha. Ou nem isso, talvez não toque a campainha e espere você chutar o envelope, descuidadamente, e se dar conta de que ali, por ter o seu nome escrito, sem remetente, contém algo que te importe, que valha um momento da sua atenção. E você abrirá, rasgando a lateral com a faca da cozinha. Posso apostar que vai estar na cozinha, com o pano de prato jogado nos ombros, pois mal acabou de lavar a louça, e fumava um cigarro. E então, vai ler as palavras, que eu não podia, assim simplesmente, dizer. E com tudo em preto e branco, você não vai ouvir e eu não vou falar. Mas as palavras, leves na tua mão, você vai sentir pesar, como eu, e doer. Mesmo que lá no fundo, só alguma coisa, que te faz perder o olhar fora desse papel e pensar.
O papo pode ser longo, desse modo, sinta-se a vontade para colocar a água no fogo e fazer um café, aproveite que está na cozinha, com o pano de prato a tira colo. Se eu estivesse ai, puxaria um banco da mesinha perto do fogão, e me serviria do café. Fumaria um cigarro, enquanto lê. Mas preciso ir. Querida, me perdoe. Perdoe a falta, perdoe o silêncio, e todas as discussões. Culpe o amor, se for o caso, aquele bandido. Te deixo os beijos, que valem a pena lembrar e algum sorriso. Escolha um bem bonito. Ou uma música.
Posso ver a cena, você atrapalhada, com os dedos entranhados no cabelo, lendo, me mal dizendo em pensamento. O cigarro no cinzeiro, quase queimado por inteiro, restando um último trago. Mas você nem lembraria. O café esfriando na xícara, sem doce, porque não encontrou o açucareiro. Eu estarei longe, no caminho do esquecimento. Terei ido com a mochila nas costas, para a rodoviária, sem bagagem pesada. E no primeiro assento do ônibus, irei com os pés no vidro, vendo o asfalto correr entre os tênis vermelhos, um deles desamarrado. Pensarei em você, pode estar certa, mas só como algo para recordar. Preciso me afastar para guardá-la como pedaço bom da vida. E te escrevo para esvaziar o meu amor e dar-lhe aquele traço de despedida.
Não se preocupe comigo, ficarei bem. Fecho os olhos e te dou um daqueles abraços longos, aqueles que a gente se apertava forte para se sentir perto. Sei que existe a distância, agora, dos corpos e dos sentimentos. Mas te mando o meu abraço para você colocar na caixinha das coisas antigas e esconder debaixo da árvore. Fique bem e me desculpe mais uma vez. Preciso te deixar partir e vou pegar a estrada primeiro. Quem sabe a gente se esbarra um dia, vai tomar uma cerveja e rir de tudo isso.
Como lembrança ficarei com o instante antes de te beijar a primeira vez... Depois de tanta conversa e de te segurar no sofá. Você me olhando em silêncio, porque a gente se calou de repente. Esperando que eu fizesse alguma coisa, eu sem saber como. E aquele segundo que separou os seus lábios dos meus, antes de eu fechar os olhos e me atirar, delicadamente, sem sentir, sobre você, com o coração aos atropelos... Então, prendi a respiração e tudo ficou suspenso no ar, por milésimos de tempo, deliciosos milésimos, que continham a última dúvida. Lembro como se fosse longo o momento em que nos olhamos, e somente os olhos falaram. E quando finalmente os fechei e não te vi mais, ele veio, o beijo. Junto um sorriso.
Eu não te odeio querida, muito pelo contrário. Escrevo para dizer isso e me despedir. Pois preciso me desencontrar de você, para que o amor acabe. Espero que uma hora se depare com as palavras que deixei em algum canto. E entenda.
Beijos e aquele abraço longo...